A narrativa do 'golpe' de 8 de janeiro perde força após o depoimento de Mauro Cid, que negou qualquer participação de Bolsonaro e desmentiu a existência das supostas 'minutas' | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Edição 273

Morre um golpe

O coronel Mauro Cid negou, em todas as perguntas que lhe foram feitas, que tenha havido tentativa de golpe e que Bolsonaro tenha participado de algo que não aconteceu. Quanto às minutas, a única coisa que se provou é que elas não existem

O “golpe” do dia 8 de janeiro de 2023, que há dois anos é a causa mais sagrada do consórcio Lula-STF, acabou. Tendo acabado o golpe, acabou também, por óbvio, a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro como o seu grande inspirador, organizador e beneficiário. Na verdade, não se pode dizer que acabou, pois no mundo das realidades nem uma coisa nem a outra jamais chegaram a começar. Foi ouvida em juízo, enfim, a testemunha-estrela da acusação, o célebre coronel Mauro Cid, e invocada a sua única prova material, as também célebres “minutas do golpe”. O coronel negou, em todas as perguntas que lhe foram feitas, que tenha havido tentativa de golpe e que Bolsonaro tenha participado de algo que não aconteceu. Quanto às minutas, a única coisa que se provou é que elas não existem.

Naturalmente, no Brasil de hoje, a existência ou não de provas é o que menos importa. O STF quer condenar alguém? Então o sujeito já está com a sentença ada, seja lá o que tenha feito, o que mostram os fatos e o que determina a lei. O Supremo decidiu que o quebra-quebra de 8 de janeiro foi um “golpe armado”, sendo as armas um par de estilingues e um tubo de batom. Decidiu que Bolsonaro e mais uns tantos são os culpados. Violou até hoje todas as leis penais que lhe aram pela frente para manter de pé as suas teorias. Pode muito bem, agora, decretar que há provas onde não há prova nenhuma. (A mídia, por exemplo, vai engolir qualquer coisa que o STF diga.) Os ministros terão, porém, de assumir perante o mundo que estão condenando os acusados sem ter uma única prova que possa ser levada a sério num tribunal civilizado.

É o que mostram os fatos. Cid respondeu “não” a cada uma das questões feitas sobre os dois temas-chaves do interrogatório. Houve o planejamento, ou a tentativa, ou pelo menos a discussão de um golpe de Estado com Bolsonaro? Houve alguma ordem para que alguém tomasse alguma providência prática para dar um golpe de Estado? Em todas as vezes em que não disse “não” ao que Alexandre de Moraes — ao mesmo tempo polícia, promotor e juiz do processo — esperava ouvir, o coronel Cid afirmou que não sabia, não se lembrava ou não tinha certeza sobre o que estavam lhe perguntando. Que raio de testemunha-chave é essa? Em tudo o que respondeu ele foi, na verdade, uma testemunha de defesa.

O depoimento de Mauro Cid frustrou expectativas do STF: o coronel negou o planejamento do golpe e se revelou mais útil à defesa do que à acusação | Foto: Reuters/Diego Herculano

A casa da acusação começou a cair já numa pergunta que nem sequer foi feita por um dos advogados de defesa, e sim pelo ministro Luiz Fux: “Em relação a minutas de estado de defesa, estado de sítio etc.: esse documento foi assinado?” Resposta de Cid: “Não, não foi”. A partir daí, com as perguntas dos advogados dos réus, deu-se uma calamidade em câmera lenta para o consórcio e para a PGR. Não, disse o coronel, Bolsonaro não participou de uma suposta reunião com “empresários” que queriam dar o golpe. Não, não houve grupos organizados pedindo o golpe ao ex-presidente; as pessoas apenas faziam visitas a ele, cada um dando suas ideias. Não, Bolsonaro não quis botar o Exército na rua, pois dizia que o governo Lula ia cair por si próprio, “de podre”.

Bolsonaro conversou com os chefes das Forças Armadas sobre anotações, que Cid não sabe quem escreveu, sobre a possibilidade de invocar o artigo 142 da Constituição Federal e pedir autorização do Congresso para adoção de um estado de emergência ou de sítio. Foi tomada alguma providência para fazer isso? Não, disse Cid. Bolsonaro, afirmou ele no depoimento, não quis, nem autorizou, fazer o que se cogitava nesse documento — as tais “minutas do golpe” que seriam a prova dinamite da acusação. O papel em discussão falava em “novas eleições” e na prisão de uma porção de gente, segundo o coronel; mas, no fim das conversas, Bolsonaro, que segundo Cid já tinha sugerido que as prisões se limitassem a Alexandre de Moraes, resolveu não fazer nada — nem pedir o estado de sítio, nem anular eleição e nem prender ninguém.

O presidente teve alguma informação prévia sobre movimentações golpistas? Não, disse Cid. Ele teve algum contato com o que a polícia chama de “núcleo crucial”, um grupo que faria a ligação entre os acampamentos então formados diante dos quartéis e autoridades do governo? Não, não teve, disse o coronel. Ele incentivou uma suposta greve de caminhoneiros contra o resultado da eleição? Não, disse Cid; ao contrário, Bolsonaro afirmou que isso só iria tumultuar a economia e pediu a suspensão dos movimentos. O que foi discutido numa conversa na casa do general Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro e preso há seis meses nos cárceres do STF? Não me recordo, disse a testemunha-bomba da PGR. No que deram as conversas entre Bolsonaro e os interlocutores que lhe pediam para “agir”, tanto os “moderados” quanto os “radicais”? Não deram em nada, disse Cid. Depois de um tempo, o presidente pediu a todos que parassem de fazer pressão para ele medidas de exceção, e informou que “as coisas deviam ficar como estavam”. Enfim, segundo a minutagem feita pelo advogado Jeffrey Chiquini, em 2 horas e 27 minutos do seu depoimento, Cid disse “não sei” 982 vezes.

Moraes esperava uma bomba, mas recebeu silêncio: Mauro Cid negou envolvimento de Bolsonaro, rejeitou a narrativa do golpe e respondeu “não sei” 982 vezes durante seu depoimento, que durou 2h27 | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

E olhem que o coronel foi ameaçado pessoalmente de prisão por Moraes, em vídeo gravado, se não “ajustasse” as suas declarações ao que queriam que dissesse — ele, o pai, a mulher e a filha. Qual tribunal do planeta, com juízes de verdade e interessados apenas em provas, condenaria alguém, e ainda mais um ex-presidente da República, com base em uma testemunha como essa? Com a prova mortal da PGR, a “minuta do golpe”, a coisa é tão ruim quanto. O centro do problema é que, após dois anos e meio de maciça investigação, a “minuta do golpe”, em carne e osso, não apareceu até agora. Deve ser um caso único na história do Direito Penal. É um documento que o ministro Moraes e a acusação usam o tempo todo como a peça fundamental da denúncia contra os réus — ao mesmo tempo, é um documento que não existe. Não está anexado aos autos. Não se sabe seu conteúdo exato, porque não há nenhuma transcrição disponível. Ninguém viu, com seus próprios olhos, a minuta Xandão-PGR-PF. Nem o coronel Cid, nem ele, pode confirmar que a minuta existe. Tudo o que sabe a respeito é que recebeu pelo celular uma mensagem, que ele não sabe quem escreveu, e que não é assinada por ninguém, falando de artigo 142, estado de sítio e outras hipóteses de anular a eleição de 2022.

Todo o resto da acusação está amarrado com barbante, como fica demonstrado a cada cinco minutos pelos advogados de defesa. Os réus estão sendo julgados por uma “turma” de cinco ministros, e não pelos 11 do plenário. Um deles é Alexandre de Moraes. Outro, Flávio Dino, já disse em público que Bolsonaro é o “demônio”. O terceiro é Cristiano Zanin, que até outro dia era advogado pessoal de Lula. Há uma morta-viva, a ministra Cármen Lúcia, cuja última ideia conhecida foi defender a adoção de uma censura ilegal, mas provisória — que continua ilegal, e hoje virou permanente. Sobra o ministro Fux. Ou seja: são quatro dizendo em público que Bolsonaro já está condenado, contra um. Nem Átila, o Huno, seria capaz de dizer que um júri desses é imparcial.

O julgamento do 8 de janeiro avançou com parcialidade explícita: dos cinco ministros da Turma julgadora, quatro já se posicionaram publicamente contra Bolsonaro, incluindo Moraes, Dino e Zanin | Foto: Reuters/Diego Herculano

Como nas histórias de assombração em que nada melhora com o decorrer da narrativa, sobretudo quando o relógio está batendo meia-noite, os Processos de Brasília só têm o lado ruim. Os depoimentos dos comandantes das Foças Armadas do tempo de Bolsonaro foram uma tristeza para Moraes e a PGR. O do Exército disse que Bolsonaro nunca lhe pediu golpe nenhum. O brigadeiro da FAB, hoje transformada em táxi-aéreo de Janja, de ladras peruanas e de mais do mesmo, ficou ciscando e só deixou claro, mesmo, que estava ali para defender a si próprio. Enfim, o almirante da Marinha, dado pela PF e pela mídia como a grande alma negra do golpe, disse que não organizou nem concordou com golpe nenhum — mesmo porque a Marinha nacional, como atestou em juízo o ex-ministro Aldo Rebelo, não tem meios para dar um golpe nem no Iate Clube de Santos. O ministro Moraes, para completar, se conduz como um carcereiro. Ameaça os advogados e as testemunhas, inclusive com prisão, fica abertamente irritado quando os depoentes não dão as respostas que ele quer, pressiona todo mundo e chamou o STF de “meu tribunal”.

A condenação anunciada de Bolsonaro e dos demais réus, conforme se vê a olho nu nos Processos de Brasília, é uma exibição de terrorismo político como o que se pratica no Judiciário das piores ditaduras. O golpe armado, hoje, se reduz ao que insistem em dizer os jornalistas, os artistas da Lei Rouanet e a esquerda em geral; nos autos, que é bom, não há nada. Não é um julgamento. É um acerto de contas num país em que a força aboliu a lei.

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21 comentários
  1. Luciana Costa
    Luciana Costa

    A história mais absurda e inacreditável!! O Brasil em pleno ano de 2025 sendo tungado, coagido, difamado por uma máfia criminosa que se apossou do Superior Tribunal Federal! Como isso pode acontecer?

  2. JADSON ELIAS DOS SANTOS
    JADSON ELIAS DOS SANTOS

    Alguém de colhoes ROXO pelo amor de Deus de um jeito nesse psicopata homicida ⚰️⚰️⚰️⚰️⚰️⚰️⚰️

  3. PAULO SEREJO CORREA
    PAULO SEREJO CORREA

    O “golpe” armado, foi golpeado e desarmado pela armadura da Verdade !
    “… e conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará !
    João 8.32

  4. Daniel BG
    Daniel BG

    Esse julgamento “circo MAMBEMBE” do STF está revelando algo nem tão novo: o governo Bolsonaro trouxe desenvolvimento enquanto o desgoverno do consórcio STF-Luladrão trouxe mais mentiras, mais corrupção, mais espoliação.
    É, o nordeste em geral, principal cabo eleitoral de todo esse escândalo, tem urgência de rever seus valores e começar a fazer parte do Brasil de fato.

  5. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Guzzo falou e disse, deste teatro de horrores que vem fazendo o supremo em Brasília. Gastando nosso dinheiro para essas babaquices, tudo pelo prazer de perseguir a oposição política.

  6. Lauro Patzer
    Lauro Patzer

    Vamos virar a moeda. Lá estão os verdadeiros golpistas. Aqueles que inventaram a narrativa contra uma manifestação por um pleito cheio de imbróglios contra Bolsonaro. O que astuciosamente foi convertido em ato de golpe. E mesmo assim, as togas insistem e persistem em manter uma narrativa sem uma mínima prova concreta. As togas precisam da narrativa senão o castelo de cartas cai.

  7. ELIAS
    ELIAS

    A farsa é dar ares de um julgamento isento e imparcial, uma impossibilidade em si mesma. O mínimo que deveriam fazer, ao menos como disfarce, seria levar ao plenário , mas nem isso. E ao final declarar culpados todos os que eles decidiram que são culpados.

  8. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Um eterno circo de incompetentes e tiranos, até quando?

  9. Luciana Costa
    Luciana Costa

    Impressionante é o sujeito e seus cupinchas todos borrados, num delírio arrogante, sem uma gota de razão dando uma de coronelzão brabo, dando calote de carranca. De que buraco imundo saiu esse ser tão agourento??

  10. Antonio Fernandes Kopf
    Antonio Fernandes Kopf

    ” Morta viva” kkk. Que adjetivação mais feliz

  11. ONECINO DE SOUZA
    ONECINO DE SOUZA

    Enquanto isso,o país já vai pra dois anos parado
    Ok

    1. Marcos Antônio de Carvalho
      Marcos Antônio de Carvalho

      É o advento do neonazismo judicial, criado por Gilmar e gerifo por Moraes, com a anuência de, pelo menos mais 7″juízes”.

  12. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    STF virou um tribunal da injustiça, protege comunistas,narcotraficantes e ladrões desde que sejam de esquerda e amigos de Lula.Nao precisa de provas,nem depoimentos verdadeiros, a sentença já está dada na cabeça de Alexandre de Moraes e de seus colegas,Um tribunal no qual não existe defesa para os acusados,sempre serão condenados.A farsa é real ,a verdade não existe e a ditadura está imposta.

  13. Marcelo DANTON Silva
    Marcelo DANTON Silva

    Aaahhhh COMO ele ficou bonzinho (que nojo da arrogância dissimulada desse escroque 🤮)
    Estão fazendo um acordo nos bastidores com os EUA…stf mesmo abrem espaço e brechas na já furadissima e teatral inquéritos…
    Será o possível que só poucas pessoas perceberam essa abrida de pernas no dia dos namorados!?

    1. Marcelo DANTON Silva
      Marcelo DANTON Silva

      Esses caras não podem ficarem impunes!!
      Foram 7 anos de regime nazifascista, inconstitucional, golpista, e CORRUPÇÃO correndo solta…NÃO PODEMOS FAZER ACORDO COM ESSE TIPO de DELINQUÊNCIA INSTITUCIONAL…..não podemos.
      Seria o mesmos acordos que essa tal nova república faz com o comando vermelho e o PCC.
      Pobre BOSTILEIRO…POBRE BOSTIL!

    2. Marcelo DANTON Silva
      Marcelo DANTON Silva

      NÃO ESTÁ caindo a FICHA nesse pessoal…..Rússia Ucrânia….agora oriente médio…não vai parar tá….
      Logo menos na Ásia…China Taiwan ou Índia/ Paquistão…
      PRONTO!!
      Adeus aos pontos de apoio espalhados pelo mundo…como porto de santos e tríplice aliança….COMO a região Norte do Brasil.
      Não percebem?!?
      Melhor!! Adoro caras de surpresas

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Tenente-coronel Mauro Cid, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro, durante julgamento no Supremo Tribunal Federal sobre suposta tentativa de golpe, em Brasília (9/6/2025) | Foto: Reuters/Diego Herculano Próximo:
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