O tarifaço de Trump divide opiniões: para uns, ameaça o livre-comércio; para outros, restaura a primazia americana | Foto: Shutterstock
Edição 264

A treta das tarifas

O objetivo de Trump é dar um soco na mesa para mostrar quem é mais forte e induzir os outros países a reduzirem as tarifas impostas aos americanos

O tarifaço anunciado pelo presidente Trump está dando o que falar. Em português atual, estão rolando muitas tretas. De um lado, liberais castiços argumentam acertadamente em defesa do livre-comércio e, portanto, contra o aumento tarifário e, do outro, conservadores genuínos, preocupados com os rumos do mundo e igualmente com razão, enfatizam que a estratégia de Trump vai além dos objetivos puramente econômicos, uma vez que o alcance visado está na restauração da primazia da América e na própria redenção do Ocidente.

Nessa disputa é difícil dizer quem está com a razão, ou melhor, quem tem mais razão, já que os dois lados apresentam argumentos plausíveis. Da minha parte, sempre fui, continuo sendo e sempre serei um economista que defende ferrenhamente os princípios liberais. Entretanto, desde que comecei a estudar sistematicamente Mises, Hayek e a mergulhar profundamente na Escola Austríaca de Economia, acostumei-me a ampliar os horizontes, uma vez que as atividades econômicas no mundo real não podem ser dissociadas dos demais campos da ação humana, como o Direito, a ciência política, a geopolítica, a psicologia, a história, a sociologia e a antropologia, e que a água que irradia essa interdisciplinaridade é a coleção dos valores éticos, morais e culturais dos indivíduos. O Homo economicus é uma ficção; o Homo agens, não.

Tarifas nunca foram boas

É sabido que ao longo da história da civilização poucos instrumentos mostraram tanta ineficácia econômica e debilidade moral quanto a imposição de tarifas sobre o livre-comércio de bens e serviços. Da velha Roma a Washington, de Atenas a Londres, de Constantinopla a Pequim, tributar o comércio é uma prática tão antiga quanto prejudicial.

As tarifas sempre são apresentadas como ferramentas bondosas para proteger a indústria local e salvaguardar empregos, mas a verdade é que elas invariavelmente se traduzem em um imposto sobre os consumidores, um freio à inovação, um desestímulo ao trabalho, um incentivo à especulação e um convite à retaliação comercial. O tarifaço de Trump, no aspecto puramente econômico, nada apresenta que possa ser chamado de “novo”: é a mesma lógica que norteava o portorium romano, um imposto sobre mercadorias que cruzavam certas fronteiras do império, ou o pentekoste ateniense de 2% sobre o valor das mercadorias importadas rumo ao Porto de Pireu. Não para incentivar a produção local, mas para financiar burocracias e guerras.

O presidente Donald Trump exibe documento sobre barreiras comerciais durante discurso sobre tarifas na Casa Branca | Foto: Reuters/Carlos Barria

O que os liberais destacam é que toda tarifa é um obstáculo à cooperação voluntária: onde prevalece o livre-comércio, as pessoas cooperam, porque têm um interesse comum em fazê-lo; e, onde há restrições tarifárias, o comércio é distorcido, os preços são empurrados para cima e a eficiência é comprometida. Frédéric Bastiat, em um de seus contraexemplos mais famosos, argumentou com sua habitual sabedoria repleta de ironia que, se o comércio exterior é um mal, então não só o comércio entre países também deve ser limitado, como mais ainda entre cidades do mesmo país: “Se é útil proteger Marselha da concorrência de Gênova, por que não proteger também Paris da concorrência de Marselha">“A comédia das galinhas inflacionárias”

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4 comentários
  1. Marcus Borelli
    Marcus Borelli

    Eu li “A arte da negociação” escrito por Trump e digo que de bobo ele nada tem, ele é muito perspicaz.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Parabéns pelo artigo, Ubiratan. Boa análise.

  3. Luiz Roberto Freitas Finardi
    Luiz Roberto Freitas Finardi

    Melhor análise sobre o tarifaço do Trump que vo até agira. Parabéns pelo artigo.

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